Velejo com todos os ventos.

Dentro e fora das "aspas".

Quem é feliz...

(Crônica de Jeanne Bilich, publicada em A Gazeta, datada de 27 de abril de 2010).

"Nas minhas andanças pela Europa, deparei-me em Amsterdã, em quase todos os lugares que visitei - museus, lojas, hotel, restaurantes, quiosques de jornal e revistas - com um pequenino quadro, impressa uma unica e concisa frase. Não sabendo falar o idioma nativo e, menos ainda, ler holandês, a grafia intrigou-me!... Atiçou a curiosidade. Numa tabacaria, onde encontrei os charutos encomendados por Nilo Martins, vi fixado, uma vez mais, o tal quadrinho. Ganhei coragem e perguntei ao atendente, em inglês:

- Poderia, por favor, traduzir a frase pra mim?...

Os olhos azul-cobalto do senhor de idade cintilaram. Marotos. Sorriu cordialmente. E, antes da tradução, estalou o som de sua espontânea gargalhada:

- Está escrito aqui, senhora - e bateu o dedo indicador sobre o quadro - "Quem é feliz não chateia."

Rimos, então, juntos! Quanta sabedoria envolta em bom humor... Aproveitei para perguntar onde poderia adquirir um similar. Apontou, da calçada, uma loja próxima e ali comprei o meu "objeto do desejo". Afixei-o na parede da biblioteca. E aqui está até hoje!... No correr do tempo, observei que a mensagem foi ficando, a cada ano, mais veraz. Ouso dizer, necessária!... Acrescido ao fato de a citação - "Quem é feliz não chateia" - acender-se na minha mente, nas mais diversas oportunidades e situações. Por exemplo? Nas reuniões de condomínio do meu prédio, no trânsito, no ambiente de trabalho, entre alguns familiares e, por vezes, no círculo de amigos. Certo é que - atesto - a frase revelou-se muito mais do que prosaica frase: trata-se, na verdade, de um aforismo. Pérola de sabedoria!...

Por acaso, o sagaz leitor já presenciou uma pessoa feliz, de bem consigo e com a vida, chatear, gratuita e tenazmente, a paciência dos outros?... Da minha parte, nunca! Os de bem com a vida ou as pessoas felizes são, habitualmente, tolerantes, pacientes, educadas, generosas e gentis. Parecem não padecer - jamais! - de problemas de saúde, financeiros, amorosos, profissionais e familiares. Quando perguntados, como dita a etiqueta, "Como vai?", respondem com um sorriso que ilumina e até perfuma o ambiente: "Ah... estou ótimo!... E você?". Já os infelizes, nos atormentam com um rosário de queixas e lamúrias, ranzinzices e imprecações contra a vida. Chateiam-se. Chateiam-nos. Constrangem o eventual interlocutor. E, óbvio, revelam-se: são chatos! Como sei?... Ora, "Quem é feliz, não chateia." Ao inverso das pessoas que distribuem alegria no convívio social, tornam os dias mas cinzentos e - por que não dizer? - são, sim, sérios candidatos ao isolamento social. Leia-se: no prédio onde residem, no ambiente profissional, no âmbito familiar. Amigos? Hum... desaparecem! Afinal, mártires são venerados nas igrejas, mas, dificilmente, agradáveis para o convívio cotidiano.

Observo, pesarosa, que a hora dos não felizes - "Quem é feliz não chateia" - cresce assustadoramente. Onda avassaladora que arrebenta, com amargura e fel, nos mais variados ambientes. Públicos ou privados. Talvez, imersos no seu peculiar azedume e mau humor, sequer tenham a consciência de quão desagradáveis se tornaram... Insuportáveis! Fica a sugestão: afixar, como lembrete permanente, no carro, em casa, na mesa do trabalho o aforismo holandês: "Quem é feliz, não chateia." Afinal, "Vita Brevis", ó sagaz leitor!... Mas a chatice... urgh... desafia a eternidade."


0 Comente aqui! =):

Postar um comentário